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Démodé

  • Foto do escritor: Mateus Reggiani
    Mateus Reggiani
  • 12 de jun. de 2019
  • 4 min de leitura

Alguns dizem que que é uma lenda, “ninguém em sã consciência acreditaria nisso”. Outros, que foi um gênio sem igual, de uma astúcia e precisão britânicas. Qualquer fosse a versão real, o fato é que ele existiu. E bem como surgiu, desapareceu. Sem deixar rastros, pistas ou mesmo um nome. Apenas deixou-nos seu pensamento ou, se preferir, forma de interpretar a vida. Que eu lhes conto a seguir.      O mês era Fevereiro. O ano, pela década de noventa. O local, pouco importa. Só será necessário saber que as coincidências da vida são meros acasos travestidos de grandes fatos. Como se alguém em algum lugar nos pregasse uma peça, quer dizer, se esse alguém realmente existisse. Foi assim, misteriosamente, que sentaram-se à mesa eles. Dois estranhos conhecidos afim de jogarem papo fora ou apenas molhar a garganta, seja qual fosse a companhia.      O bar estava elétrico. O samba-rock entoado pela dupla juntamente com o calor estonteante motivava ainda mais a embriaguez do local. Era um misto de copos dançantes e mesas falantes. E no meio de toda algazarra um deles dispara:      — Barzinho movimentado esse. Acho que vou pedir logo algo para tomarmos.      — Já passou da hora.      — Garçom, nos veja dois chopp's e aquele torresmo no capricho.      — Opâ doutor, é pra já.      — E Grande, se possível me traz um cinzeiro.      — Sem problemas.      É aqui que lhes apresento o único personagem conhecido dessa história. André Ferrara, um amigo de um primo de um conhecido meu. Foi ele quem sentou-se à mesa com a lenda viva. Apesar de, nesse momento em que encontra-se, ainda não saber disso. Posto que o que precisaremos saber de André é que detesta cigarro.      — Eu só queria...      — Eu sei André. Você gostaria de me dizer que não gosta de cigarro.      — Isso mesmo.      — Mas como eu já percebi e calculei, você não irá se importar. Ou ao menos não irá se contrapor.      — Calculou e percebeu!? Do que é que você está falando?      — É impressionante.      — Como assim? Você está me deixando confuso!    — É impressionante como ninguém percebe que é possível provar matematicamente todos os seus próximos atos.      — Continuo sem entender.   — Deveria ter presumido que isso iria acontecer. Bom, digamos que sua vida é um emaranhado de incógnitas, mas com uma única constante, que é você.      — Prossiga...     — E que se fosse capaz de saber todas essas incógnitas que tangem sua vida, facilmente eu conseguiria prever seus atos futuros. Ou seja, se eu soubesse tudo que você passou, todas as escolhas que fez, às que não fez, qual foi o meio em que cresceu, quais pessoas te moldaram...      — Aonde você quer chegar?      — O que quero dizer-te é óbvio. Nós somos uma constante, o que muda a nossa volta é que realmente transforma as coisas. Você passa a pensar diferente porque algo aconteceu em sua vida. Mas não te mudou! Mudaram-se as incógnitas a sua volta, alterando a resolução final. Veja, todas as vezes em que saímos juntos reparei que em 95% delas você se incomodava com a presença do cigarro, mesmo que não verbalmente. Contudo, nunca pediu para que parasse de fumar ou se retirou do local. Suas feições, seus gestos e atos entregam futuras possibilidades... — Não acredito em você. Essa do cigarro foi muito fácil, afinal, você sempre soube que eu odeio esse tipo de coisa. — Céticos... Por exemplo, o garçom que nos serviu provavelmente irá esquecer uma das coisas que pedimos, pois percebi que em setenta e sete porcento das mesas que ele atende, acaba retornando para perguntar algo.      — Bom, logo veremos se sua teoria é válida. Aí vem ele...      — Os dois chopp's no capricho para os doutores. Um cinzeiro para o camarada e... Deixa eu só perguntar. Qual foi mesmo o petisco que vocês pediram?      — Torresmo.     — Isso mesmo, desculpa a distração. É que ando com a cabeça nas nuvens, muitas contas para pagar. Sabe como é né?      — Que isso, tá tranquilo!      O garçom retira-se enquanto André põe-se a pensar.      — O que foi que te disse? A constante "memória" que nosso amigo garçom carrega pela vida foi alterada pelas incógnitas, neste caso as contas à pagar. As quais modificaram as ações dele, fazendo-o esquecer a maioria dos pedidos.          — Então você sabia que eu não gostava de cigarro mas que aceitaria numa boa só reparando nas diversas situações em que você me viu e calculando elas?      — Exatamente. Somente uma incógnita nova, que talvez eu desconhecesse, mudaria esse fato. É pura matemática.      — Ou seja, no fundo você está me dizendo que somos puras e simples equações matemáticas!?      — Quase que por aí, juntando com um pouquinho de química, biologia e talvez filosofia.      — Certo. Mas se você é capaz de ditar as ações futuras de alguém, isso não seria o tal do destino?      — Destino? Isso é muito démodé! A moda agora é ser racional.

 
 
 

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