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O Teto

  • Foto do escritor: Mateus Reggiani
    Mateus Reggiani
  • 23 de mai. de 2019
  • 2 min de leitura

O relógio já batia tarde da noite. Na casa, um misto de torpor e desesperança pairava no ar. Eu ali deitado ao chão, não me lembro muito bem se de costas ou de barriga, me recordo apenas que parte da minha perna jazia em cima do sofá carcomido. Observava avoado um imenso bloco de concreto que costumamos chamar de teto. Mas apesar do que se pensa eu não observava em pleno silêncio, enquanto me quedava quieto com olhar estatelado, meus ouvidos captavam talvez pela quarta, quinta vez (sinceramente não me recordo, novamente) Chico dizendo que estava à toa na vida. No meu caso, ao contrário do magnífico de Holanda, era a vida que parecia estar à toa em mim.

Enfim, voltando ao teto, que nunca me parecera tão perto e tão nítido. Eu conseguia enxergar cada rachadura, imperfeição e parte mal pintada, as quais, passaram-me por anos desapercebidas. Para lhes ser sincero, nem tanto, as rachaduras em dia de chuva não paravam de pingar gotas d'água, como se o teto chorasse pedindo por alguma atenção. Lágrimas que sempre acabavam em uma panela ou bacia. Como era maltratado o teto, algo tão essencial, "pois quero que me digam uma casa sem teto!" - esbravejava eu em pensamento - como era carente de atenção. Solidão que talvez pudesse ser resolvida com alguns olhares atentos por dia. Em meio a minha reflexão sobre o lado emocional do teto, um som peculiar começou a chegar aos meus ouvidos, na hora figurei várias hipóteses improváveis, contudo, a que mais me pareceu plausível era a de uma chamada telefônica, aflita pelo jeito que se repetia incessantemente. Comecei então a travar uma briga contra revistas, almofadas e garrafas para abrir caminho até o epicentro sonoro. Vinha aumentando gradativamente. Atendi e antes mesmo que pudesse falar algo, uma voz familiar saltou expelindo palavras ligeiras:

            – Meu amor, desculpa ser tão grossa e não cumprimentar nem nada mas é que eu não aguento mais essa briga entre nós dois, quero acertar tudo sabe? E eu acho...

            – Querida?

            – Oi? Pode falar o que quiser.

            – Você já prestou atenção no teto?

            – Quê? Não acredito! Você bebeu outra vez não foi? Pelo amor de...

E a partir daí parei de prestar atenção na voz dela, mas posso garantir que algumas palavras de baixo calão foram ditas. Comecei então a mirar meus olhos pela sala, sem mexer a cabeça ou tirar o telefone do ouvido. A música ainda tocava alto, peças de roupa pelo chão, comidas (das mais diversas) pelo sofá, revistas e almofadas espalhadas como corpos depois de uma guerra, pitos de cigarro faziam companhia na mesinha à uma garrafa de uísque, que beirava o final. Deixei o telefone em algum lugar (não devo ter desligado, caso o contrário ela teria me ligado outras vezes). Sem mais direcionei-me à minha cama. Como deitei? Se de costas ou de barriga pouco importa. Só recordo-me que comecei a ouvir a chuva lá fora. No mesmo instante pensei cansado comigo, onde é que eu coloquei as panelas?

 
 
 

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