Que Seja Chico
- Mateus Reggiani
- 23 de mai. de 2019
- 1 min de leitura
– Conforme havia dito, o Senhor não tem muito tempo de vida.
– Doutor, escuta uma coisa, não tem essa 'pô'! Tenho muito que viver as alegrias da vida, muitas mulheres, festas, jogos do Galo...
– Infelizmente...
– Felizmente! 'Poxa' Doutor, tenho trinta e três, me dê notícias mais positivas.
– Repita.
– Felizmente...
– Não, trinta e três.
– Trinta e três?
– É, não tem jeito. Já analisei, já fiz uma reanálise, entretanto, o senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Mas Doutor, eu não faço a mínima ideia do que é que seja isso. Parece algo que vou levar para o resto de minha vida, algo terminal. E Doutor, eu odeio coisas assim: filhos, casamento, emprego...
O Doutor pensou, resolveu dar um conselho mas não sabia o que dizer. Pesando suas palavras, disse:
– É bom fazer um seguro de vida.
– Não, não. Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
– Machado?
– Está louco!? Eutanásia eu até que entendo mas isso aí já é homicídio Doutor, ainda me resta um tempo por menor que seja.
– Não, a frase. Machado de Assis.
– Ah....sim, sim.
– Se tiver algo mais que eu possa fazer?
– Acho que não.
– Descanse muito, faça as coisas de que mais gosta e vou ser sincero. Se voltar ao consultório além de gastar dinheiro, vai me fazer te consultar à toa.
– Doutor, Doutor, minha cantiga é mais triste...
– Essa eu já conheço. Mas te digo que ainda resta uma coisa a se fazer.
Ele então se inclinou e perguntou esperançoso:
– O quê, Doutor?
– Tocar um tango argentino.
– 'Poxa', não pode, pelo menos, ser Chico Buarque?
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